DIÁLOGOS SOBRE TRABALHO E CLIMA

OUTROS OLHARES PARA A RELAÇÃO ENTRE

TRABALHO E CLIMA por VALQUIRIA CANDIDO

Há anos, nós, catadores(as), nos preparamos para enfrentar os efeitos das mudanças do clima. A cada dia, sentimos na pele as dificuldades para sobreviver somente com a coleta dos recicláveis. A luta para garantir o valor ao final de cada mês vem sendo cada vez mais acirrada. O poder do capital está acima do bem e do mal, as grandes corporações não se importam com a produção desenfreada de embalagens, nem com o descarte correto delas, e não existe fiscalização para que as empresas sejam responsabilizadas.

Além disso, existem poucos parlamentares com uma narrativa consistente em defesa da conscientização para o consumo responsável. As pautas ambientais não têm força nem destaque no orçamento e o trabalho dos catadores(as) da cidade de São Paulo tem sido sempre invisibilizado. Apesar de prestarmos um serviço de utilidade pública, precisamos sempre comprovar nossa capacidade de operação. E prestamos esse serviço sem a devida remuneração. Talvez haja uma estratégia para o apagamento da categoria de catadores(as), pois parece que a distribuição de renda vinda dos trabalhos de reciclagem causa incômodo aos empresários. Existe uma inversão de valores no que diz respeito ao lucro, pois o trabalho que os catadores(as) exercem não é visto a olho nu. E enquanto o cuidado, a preservação, a recuperação e a reci- clagem geram renda para uma grande parcela da população, enriquecem uma pequena parcela de grandes empresas.

Hoje em dia, é fácil encontrar uma startup fazendo um discurso bonito sobre a sustentabilidade. Startups essas que vêm da construção das próprias corporações, invadindo o espaço dos catadores(as), retirando seu poder de barganha, usando a mão de obra dos próprios catadores e se enriquecendo cada vez mais.

Precisamos entender, organizar e definir que a operação feita pelas mãos dos catadores(as) é diferente do trabalho feito pelas mãos dos trabalhadores da limpeza. São experiências totalmente diferentes. Nesse caso, os organizadores de grandes eventos com artistas renomados, por exemplo, não têm noção do que acontece nos bastidores, da quantidade de resíduos recicláveis gerados, que poderiam favorecer um número muito maior de catadores(as) organizados em cooperativas e, princi- palmente, de catadores(as) autônomos. Não existe transparência na contratação dos serviços, a gestão de resíduos sólidos fica muito a desejar e as negociações, como sempre, favorecem um grupo de empresários ligados à limpeza. Não existe fiscalização e o poder aquisitivo fica nas mãos dos mesmos empresários, sem chance de inserir os catadores(as) nas negociações, não restando, assim, nenhuma possibili- dade de distribuição de renda a quem realmente faz um serviço de excelência na cidade de São Paulo, no caso, nós catadores(as) . Todos(as) trabalhado- res(as), seja qual for a categoria, têm que ser respeitados e remunerados de acordo, e as oportunidades têm que ser mais bem distribuídas.

Existe um movimento que vem descaracterizando a mão de obra dos catadores(as), embutindo nela outros trabalhadores que não têm a mesma essência. Os catadores(as) têm total consciência de que, além de garantir o sustento de sua família, também estão preservando o meio ambiente, garantindo mais qualidade de vida e saúde para as pessoas. Mas a conta ainda não fecha.

VALQUÍRIA CÂNDIDO SILVA é mãe de 4 filhos, moradora do Grajaú, no extremo da zona sul de São Paulo, e uma das fundadoras da COOPERPAC – Cooperativa de Trabalho e Coleta do Parque Cocaia. Participa do Comitê dos Catadores e Catadoras da Cidade de SP desde 2010, instância do Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis/ MNCR.

Publicação do evento “Diálogos sobre Trabalho e Clima: caminhos para o futuro”, organizado por ClimaInfo, DIEESE e Aurora Lab em 27 e 28 de Novembro 2024 em São Paulo. Baixe a publicação AQUI

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *